
Crise, mas que crise?
Uma das coisas mais interessantes ou divertidas, do meu ponto de vista, é ver as capas de discos de bandas numa loja. Além de vermos as tendências musicais das próprias bandas e uma aproximação, ou melhor, um devaneio, do que vamos ser capazes de ouvir depois de comprarmos o álbum ou o cd, quando vemos a capa de um álbum podemos até ser um pouco co-participantes na filosofia ou espírito do grupo. Quem nunca parou numa loja qualquer, passou rapidamente por centenas de opções até chegar muitas vezes a uma que, embora desconhecida, nos chama a atenção? Talvez as suas cores, a fotografia, o desenho gráfico e até a própria tipografia façam, quase desde o início, que nos aproximemos um pouco mais do grupo em questão.
É uma história e tanto com o álbum “Crisis, What Crisis” de Supertramp de 1975. Contra um fundo industrial, cinzento, sujo e claramente provocador, coloca-se à nossa frente uma pessoa que, dentro de todo esse ambiente, se deu ao luxo de tomar um sol. Com o seu guarda-sol, a sua cadeira, roupa de banho e uma mesa com um refrigerante, continua tranquilo e feliz por não ver a realidade, o que está acontecendo ali atrás dele.
A verdade é que cada um de nós interpreta a música e a cultura em geral da forma que deseja. A ilustração deste álbum me sugere estas ideias, talvez como uma metáfora para o hoje:
- temos de aprender a viver com a crise. Não é algo que se vá embora, é sim um fenômeno que viverá conosco para sempre. A forma como nos desenvolvemos não contra ela, mas com ela ao lado e ainda assim, ter êxito profissional e até mesmo pessoal.
- a crise já não é apenas sobre o estado econômico, sendo também um fenômeno global que afeta todas as esferas do ser humano, sejam socioeconômicas, culturais ou emocionais. Em outras palavras, temos que nos habituar ao fato de que, porque vivemos mais ou menos confortavelmente, isto não pressupõe que amanhã a situação permaneça a mesma. Isto porque o que acontece a milhares de quilômetros de distância do nosso controle remoto é provável que aconteça amanhã, na nossa própria casa. Portanto, quanto mais cedo nos adaptarmos a esta coexistência, a esta compreensão da globalidade, mais cedo começaremos a utilizar ferramentas que nos permitirão alcançar o sucesso da coabitação e a partir daí alcançar os nossos objetivos, pessoais ou profissionais.
- O sistema de trabalho mudou e não voltará aos velhos métodos. Acordos e relações contratuais, relações de trabalho e interpessoais evoluíram a partir do momento em que determinamos que somos um projeto particular, diferente e bem-sucedido, que é vendido e comprado, dentro de um contexto geral, ou seja, já nada está indefinido.
- têm vindo a aparecer novas fórmulas para o desenvolvimento profissional. Trabalhar a partir de casa, enviar um CV para o México e ser aceito, deslocar-se para que nunca mais possamos ser encontrados, se desenvolver em multiculturalismo, multifuncionalidade ou simplesmente saber como fazer uma conversa de cinco minutos a qualquer tipo de público é algo que já está pressuposto na nossa genética.
É uma pena que o vinil seja algo residual, tal como os dias do CD estão praticamente contados em comparação aos novos suportes de download de música, mas é óbvio que dentro do ritmo ascelerado atual, dentro do caos do fenômeno global, dentro das novas formas de relações sociais e dentro do marasmo do dia-a-dia a que nos leva, estou claro que atualmente o principal é saber viver com a crise e ver, se é que há forma, o lado positivo de tudo isto.
O homem sentado ao sol, o homem que simplesmente sorri e é feliz diante de tudo o que acontece por trás dele, me parece o novo ser social moderno, readaptado e socializado aos novos ambientes, imitando as novas formas de liderança, tomada de decisões e pensamento global. É provável que tudo seja uma loucura minha, pois a capa parece ser uma paródia, mas não é menos verdade que devemos coexistir com novas formas de desenvolvimento, novas formas de trabalho e novos comportamentos sociais causados por uma nova forma de inter-relação global.
Resumindo,
Crise, mas que crise?

Escrito por José Ramón Villaverde
José Ramon é um especialista em WFM e tem larga experiência em recursos humanos. É apaixonado por cultura, foi apresentador do programa de televisão “La nueva ruta del empleo” e o seu maior passatempo é a escrita, sendo autor de 4 livros: 3 de ficção: ‘Otto, (Editorial Hades 2019)’, ‘El baile de las ortigas (Editorial Haces 2017)’ y ‘Deconstrucción de una lágrima (Editorial Hades 2014)’ e de não ficção, o livro ‘Películas, buenos consejos y cómo encontré trabajo‘.